
O Brasil aboliu oficialmente a pena de morte em 1889, com a proclamação da república, e desde 1876 nenhum brasileiro havia sido oficialmente executado pelo Estado. É trágico pensar nisso olhando em volta e sentindo o cheiro de pólvora no ar quando contabilizamos a quantidade de traficantes mortos pela polícia no país. Matar traficante é algo naturalizado, não é lei, mas é prática, costume nacional aplaudido por muitos, mortes que inclusive já foram traduzidas em bonificações para os policiais em seus contracheques. A morte e a violência estão no DNA de nossa polícia.
No caso do brasileiro preso na Indonésia não adiantou pedido de clemência da Dilma, nem do Papa, o governo não perdoou e matou mesmo, por lei. Após a execução o presidente da Indonésia, Joko Widodo, disparou a seguinte declaração: “Isso vai enviar uma mensagem aos membros dos cartéis de droga”. Essa frase é, para mim, a cereja do bolo da boçalidade humana. Caro Widodo, aqui no Brasil matamos traficantes de drogas todos os dias numa batalha cruel e sem sentido que extermina os mais pobres e cria zonas de conflito no meio dos lugares mais carentes; e mesmo assim, caro Widodo, isso não adianta nada, não é recado nenhum para os membros dos cartéis.
Até quando a guerra às drogas será a saída? Quando o pessoal vai perceber que só a legalização e a regulamentação das drogas é o caminho para a paz? A guerra aos narcotraficantes e as penas de morte matam muito mais do que qualquer droga já matou na história do mundo.
Viajando da Ásia para a Europa chegamos à França, um país símbolo da democracia e dos filósofos bem pensantes, mas que só aboliu a pena de morte em 1981. O discurso do ministro da justiça na véspera da votação da abolição é algo que me enche de esperança. Robert Banditer mandou a seguinte letra: “Porque nenhum homem é inteiramente responsável, porque nenhuma justiça pode ser absolutamente infalível, a pena de morte é moralmente inaceitável”. Palmas para ele. Mas continua pensando assim a França? Não tenho certeza.
Diante dos recentes atentados ao jornal Charlie Hebdo, que tragicamente vitimaram alguns cartunistas franceses, o papo que surge na França é um referendo sobre a pena de morte, o fechamento das fronteiras e aviões de hora em hora enviando imigrantes pra fora do país. Não importa se você concorda ou não com as charges do Charlie Hebdo, se quer o fim dos extremistas, se quer iniciar uma guerra ao terror. O mais estúpido aqui é achar que se fechar numa gaiola e matar quem faz o que você não gosta é a saída para um mundo melhor. Nem a muralha da China impediu a queda do império, diga-se de passagem.
A burrice humana não tem mesmo limite e é evidente que as mentes pensantes não são as que governam o mundo. Voltando a questão das drogas os EUA proibiram o uso da maconha nos anos 1930, por uma série de razões políticas. Quando a II Guerra Mundial apertou, nos anos 1940, a situação da proibição da maconha ficou complicada. Todos os cordames dos navios, assim como eram as velas que descobriram o mundo no século XVI, eram feitos de cânhamo. O algodão foi eleito o substituto na época, mas o material era menos resistente e não tão versátil, nada bom para uma guerra. O que os EUA fizeram? Suspenderam a proibição da maconha e iniciaram uma massiva campanha chamada Hemp for victory. Bob Marley tem convulsões no túmulo agora. Nesse vídeo você pode ver como o governo americano se esforçou para ensinar cinematograficamente os benefícios da cannabis sativa para a guerra e a matança.
Nessa lógica boçal na qual funciona o mundo o que vale é matar. Se alguém trafica drogas você vai e mata ele, se alguém publica conteúdos dos quais você discorda você vai lá e mata ele, se a maconha é boa pra guerra e pra matar gente que liberem a maconha, mas e pro pessoal ficar doidão? Isso jamais! Não é produtivo. O que vale é matar, matar e matar. Talvez por isso tenham crucificado Jesus, uma bela pena de morte para um terrorista que salvava putas e traficava vinho dizendo que era água. Mas se mesmo assim você é a favor da pena de morte fica tranquilo, eu não vou querer te matar, pra mim tá tranquilo se a gente simplesmente não se falar. Um abraço.
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Imagem de capa: 3 de Mayo, Goya, 1814, Museo del Prado, Madrid.
Domingos Guimaraens é doutor em literatura brasileira, professor da PUC-Rio, integrante do OPAVIVARÁ! e colunista do ORNITORRINCO.
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