CONTRA A PENA DE MORTE

No sábado 17 de janeiro de 2015 o brasileiro Marco Archer foi executado na Indonésia acusado de tráfico de drogas. Marco entrou no país em 2003 com 13 quilos de cocaína escondidos na estrutura de uma asa delta. Foram 11 anos em cadeias pela Indonésia até ser executado.

O Brasil aboliu oficialmente a pena de morte em 1889, com a proclamação da república, e desde 1876 nenhum brasileiro havia sido oficialmente executado pelo Estado. É trágico pensar nisso olhando em volta e sentindo o cheiro de pólvora no ar quando contabilizamos a quantidade de traficantes mortos pela polícia no país. Matar traficante é algo naturalizado, não é lei, mas é prática, costume nacional aplaudido por muitos, mortes que inclusive já foram traduzidas em bonificações para os policiais em seus contracheques. A morte e a violência estão no DNA de nossa polícia.

No caso do brasileiro preso na Indonésia não adiantou pedido de clemência da Dilma, nem do Papa, o governo não perdoou e matou mesmo, por lei. Após a execução o presidente da Indonésia, Joko Widodo, disparou a seguinte declaração: “Isso vai enviar uma mensagem aos membros dos cartéis de droga”. Essa frase é, para mim, a cereja do bolo da boçalidade humana. Caro Widodo, aqui no Brasil matamos traficantes de drogas todos os dias numa batalha cruel e sem sentido que extermina os mais pobres e cria zonas de conflito no meio dos lugares mais carentes; e mesmo assim, caro Widodo, isso não adianta nada, não é recado nenhum para os membros dos cartéis.

Até quando a guerra às drogas será a saída? Quando o pessoal vai perceber que só a legalização e a regulamentação das drogas é o caminho para a paz? A guerra aos narcotraficantes e as penas de morte matam muito mais do que qualquer droga já matou na história do mundo.

Viajando da Ásia para a Europa chegamos à França, um país símbolo da democracia e dos filósofos bem pensantes, mas que só aboliu a pena de morte em 1981. O discurso do ministro da justiça na véspera da votação da abolição é algo que me enche de esperança. Robert Banditer mandou a seguinte letra: “Porque nenhum homem é inteiramente responsável, porque nenhuma justiça pode ser absolutamente infalível, a pena de morte é moralmente inaceitável”. Palmas para ele. Mas continua pensando assim a França? Não tenho certeza.

Diante dos recentes atentados ao jornal Charlie Hebdo, que tragicamente vitimaram alguns cartunistas franceses, o papo que surge na França é um referendo sobre a pena de morte, o fechamento das fronteiras e aviões de hora em hora enviando imigrantes pra fora do país. Não importa se você concorda ou não com as charges do Charlie Hebdo, se quer o fim dos extremistas, se quer iniciar uma guerra ao terror. O mais estúpido aqui é achar que se fechar numa gaiola e matar quem faz o que você não gosta é a saída para um mundo melhor. Nem a muralha da China impediu a queda do império, diga-se de passagem.

A burrice humana não tem mesmo limite e é evidente que as mentes pensantes não são as que governam o mundo. Voltando a questão das drogas os EUA proibiram o uso da maconha nos anos 1930, por uma série de razões políticas. Quando a II Guerra Mundial apertou, nos anos 1940, a situação da proibição da maconha ficou complicada. Todos os cordames dos navios, assim como eram as velas que descobriram o mundo no século XVI, eram feitos de cânhamo. O algodão foi eleito o substituto na época, mas o material era menos resistente e não tão versátil, nada bom para uma guerra. O que os EUA fizeram? Suspenderam a proibição da maconha e iniciaram uma massiva campanha chamada Hemp for victory. Bob Marley tem convulsões no túmulo agora. Nesse vídeo você pode ver como o governo americano se esforçou para ensinar cinematograficamente os benefícios da cannabis sativa para a guerra e a matança.

Nessa lógica boçal na qual funciona o mundo o que vale é matar. Se alguém trafica drogas você vai e mata ele, se alguém publica conteúdos dos quais você discorda você vai lá e mata ele, se a maconha é boa pra guerra e pra matar gente que liberem a maconha, mas e pro pessoal ficar doidão? Isso jamais! Não é produtivo. O que vale é matar, matar e matar. Talvez por isso tenham crucificado Jesus, uma bela pena de morte para um terrorista que salvava putas e traficava vinho dizendo que era água. Mas se mesmo assim você é a favor da pena de morte fica tranquilo, eu não vou querer te matar, pra mim tá tranquilo se a gente simplesmente não se falar. Um abraço.


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Imagem de capa: 3 de Mayo, Goya, 1814, Museo del Prado, Madrid.


Domingos Guimaraens é doutor em literatura brasileira, professor da PUC-Rio, integrante do OPAVIVARÁ! e colunista do ORNITORRINCO.
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