AS JANELAS DA IDENTIDADE



Fim de 2014, um ano vibrante, difícil, alegre, onde muitas janelas se abriram, encontros inusitados e emocionantes, ganhei de presente uma penca de livros e dei-me conta que esse é o melhor presente que há, é como se a vida me dissesse que ainda existem muitas janelas para se abrir.

Abrir janelas sempre foi uma atividade essencial para mim. Literalmente, quando entro em qualquer ambiente é a primeira coisa que faço. Olhar o mundo pelas janelas faz com que saibamos mais da gente e do lugar que estamos ocupando, faz a medida das coisas serem manejáveis e cria possibilidades para continuar.

Um dos livros que ganhei foi o “Longe da Árvore: pais, filhos e a busca da identidade”, de Andrew Sollomon. Um trabalho Clínico-Político, de mais de 800 páginas, comprometido em tratar de processos de aberturas de janelas. Escrito de forma agressiva, potente, e extremamente cuidadosa, são ondas que nos jogam a cada página em um novo lugar com novas janelas a se olhar.

Sollomon nos mostra que todos ao nascermos, caímos longe da árvore, mas não tão longe ao ponto de perdermos nossas marcas - elas valem muito quando não param nossas vidas. Nossas marcas podem ser instrumentos na maleta de ferramentas que muitas vezes precisamos para abrir janelas, ainda mais quando estão emperradas. 



O livro é uma pesquisa, um grande relato, um verdadeiro tratado clínico- político. Sollomon é um psicólogo também interessado na abertura de janelas e ousou se inclinar sobre questões super complexas e delicadas, sobre a diferença de cada existência e a negligência que todos nós fazemos sobre isso. Negligenciamos nossa própria existência quando não nos inclinamos sobre ela.

Uma das definições de Clínica remete à ação de inclinar-se sobre o leito de quem sofre. Aqui está uma questão bastante delicada: inclinar-se sobre o outro, estar com a dor do outro, acompanhar sensivelmente sua existência.

De forma bastante resumida podemos dizer que inclinar-se sobre o outro é topar uma dança qualquer que vai produzir diferença, e desse encontro muitas janelas vão se abrir. A Clínica é orientada pelo desejo, visa mudança. O desejo de abertura de janelas precisa manter-se vivo e processual. Dizemos que doença não é um processo que deu errado, e sim a parada dele.

O livro é dividido em doze capítulos abrindo com ‘Filhos’, seguido por ‘Surdos’, ‘Anões’, ‘Esquizofrenia’, ‘Autismo’, ‘Prodígio’, ‘Trangêneros’, entre outros, e fecha com ‘Pais’. Sollomon faz com que os grupos se dialoguem a fim de que compreendam melhor a complexidade da existência e então a si mesmos.

Todos precisamos da mesma coisa: o simples. Simplesmente inclinarmo-nos e acolhermo-nos na nossa singularidade. Simples não quer dizer fácil. Há uma importante diferença aqui. O autor trata do que é simples e difícil, não à toa considerou o tema digno de uma gigantesca e rigorosa pesquisa, onde além de contar com milhares de dados científicos, colocou seu corpo em campo. Sobretudo ele próprio, que carrega o diagnóstico de dislexia e um drama pessoal em torno de sua própria sexualidade. Conversa e acompanha por anos várias situações, entrevistando, observando, colocando em análise tudo que foi recolhendo.

São infinitas as possibilidades do que se fazer com um material de pesquisa. E em como nos afetamos e nos apropriamos da leitura de um livro. ‘Longe da Árvore’ escolhe como fio condutor a aposta Clínica na abertura de janelas, para além das riquíssimas informações que oferece. O trabalho vai deixando de ser apenas uma pesquisa ou uma compilação de histórias sobre a vida humana. Ele abre para o leitor escolher como e o que fazer com tudo aquilo. Dessa leitura levo o arrebatamento, a aflição, a beleza, a adrenalina, o desafio, a alegria, o poder de transformação produzido através do desejo, do saber, da comunicação e da ética. A Saúde possível produzida quando nos inclinamos verdadeiramente sobre alguma coisa. “Fazer Clínica” é muito trabalhoso e é a coisa mais linda e potente que já conheci.


Alessandra Jordan é psicóloga clínica e colaborou com esse texto para o ORNITORRINCO. 



Nenhum comentário

Postar um comentário