ADEUS, CHAVES - ROBERTO BOLAÑOS (1929 - 2014)



"Prefiro morrer do que perder a vida", assim o Chapolin Colorado se jogava em missões suicidas para salvar os mais desesperados. Morrer e perder a vida são mesmo coisas muito diferentes, até porque você pode perder a vida e continuar vivo.

Roberto Gomes Bolaños morreu aos 85 anos no México, ganhou a vida com personagens que fizeram mais pela união da América latina do que qualquer política de Estado. Viaje por aí e pergunte quem é Chiquinha, Chaves, Seu Madruga, Kiko, Dona Florinda e até os menos famosos, como a Popis e o professor Chapatin, e verá como eles estão impressos no inconsciente coletivo de 90% dos latino americanos.

Sim, no Brasil os nomes foram modificados, as músicas traduzidas, as referências históricas transmutadas para cá e até a geografia mudou quando num dos episódios Acapulco virou o Guarujá. Em português as vozes dubladas são singelas e ingênuas imitando crianças usando adultos falando num tom mais fino. No espanhol original carregam uma estranheza e uma dramaticidade no tom grave dos atores adultos interpretando crianças. Mas isso só adiciona mais uma camada de riqueza à obra do Chesperito – apelido do figuraço Roberto Gomes Bolaños poucos conhecem por aqui. Foi dado a ele por um diretor de cinema que viu em seus textos e roteiros a genialidade de um pequeno Shakespeare. Bolaños tinha apenas 1,60m.


Pra minha formação Bolaños foi tão ou mais importante que o Bardo inglês. Foi num de seus programas especiais que vi pela primeira vez, aos 5 ou 6 anos, a história de Dom Quixote. Uma paródia tosca e maravilhosa com Seu Madruga lutando contra os moinhos, apaixonado-se por Dulcinea del Toboso e com o Chaves no papel de seu fiel escudeiro Sancho Pança, levando os mesmos cascudos, com aquele mesmo efeito sonoro agudo estridente, enquanto cavalgavam o Rocinante e o Rucio. A imagem desses dois personagens nunca saiu da minha cabeça e décadas mais tarde, quando li o livro de Cervantes, eu via os rostos do Chaves e do Seu Madruga o que criou uma aproximação afetiva fundamental para que eu chegasse ao fim dos dois volumes daquele texto denso que fundou o romance moderno. Isso sem falar que a musiquinha instrumental que todos temos na cabeça é a Marcha Turca Opus 113 do Bethoven tocada num sintetizador anos 70.

Embora Roberto Gomes Bolaños tenha escrito livros, poemas, dirigido filmes – um deles sobre futebol contando com Pelé no elenco –, Chaves é até hoje o seu maior sucesso, um fenômeno de audiência. O programa ainda é um dos carros chefes da Televisa no México e é insistentemente reprisado no Brasil, pelo SBT, em dois horários. A estratégia do programa com personagens eternos, que nunca envelhecem ou nem mesmo mudam de roupa, numa estrutura dramática que, ao estilo Teletubbies, se repete infinitamente com pequenas alterações aqui e ali, conquistou as crianças que mesmo depois de adultos continuaram a prestigiar a atração. Os atores que interpretaram esses personagens ficaram fortemente colados a eles levando-os debaixo da pele até a hora da morte, o que é a um só tempo fascinante e amedrontador.

Florinda Meza e Roberto Bolaños
Nos bastidores do Chaves muita coisa aconteceu com esses pessoal. Dona Florinda era casada com Kiko e se separou dele para ficar com o Chaves. Kiko saiu do programa e criou seu próprio show, Roberto tentou proibi-lo de seguir com a ideia, mas ator e personagem já eram indissociáveis. A vida dá voltas e espero que eles tenham se perdoado e se abraçado e se amado porque Kiko e Chaves são algo de um ideal de amizade infantil que eu pretenderia eterna.

Mas o que mais me intriga não é nada disso desse banal da vida. O que mais me move até hoje é que o Chaves (ou Chavo, que significa menino em espanhol) tinha um nome que ele nunca conseguia pronunciar, sendo sempre interrompido. Assim também acontecia com sua casa, que não era o Barril, mas o número 8 da vila, uma casa que nunca apareceu em nenhum episódio.

Talvez o Chaves tivesse um nome impronunciável como o de um Deus. Talvez o 8 fosse a metáfora do infinito e sua casa fosse toda aquela vila do inferno onde o tempo não passa e por isso o Don Ramón deverá eternamente 14 meses de aluguel.

Esses pensamentos me acalmam porque sinto que Roberto Gomez Bolaños não morreu. Ele, assim como Elvis, Michael Jackson ou o Pernalonga, não morrerão jamais, vivendo pra sempre não em nossos corações, mas de verdade, fisicamente, entre nós.






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