O MELHOR AMIGO


Ontem encontrei o Bereca. Tomava um café no Cosme Velho e ele saía de uma pelada na Casa do Minho. Bereca é um amigo de infância. Nos conhecemos desde os doze anos de idade, se lembro bem. Lá se vão vinte anos! Bereca tem um filho de onze que está com dificuldades em matemática. Também tive dificuldades em matemática. Bereca também se chama Alexandre e também se chama Dutra. Quando o conheci, chamava-o de Dutra. Alexandre Dutra, que também é Pereira. Alexandre Pereira Dutra. Bereca era meu melhor melhor amigo.

O que é o Melhor Amigo? É o que sempre prefere jogar no mesmo time? Talvez. É o que rouba bala das Lojas Americanas junto? É o que sabe o que outro gosta? É o que a sua mãe mais gosta? É o mais parecido com você mesmo? O que assume o vidro quebrado junto? Pode ser.

Bereca foi meu melhor amigo por quase oito anos. Antes foi o Paulo, antes foi o Bruno, o Daniel, o Fernando, meu primo de São Gonçalo, meu primeiro Snoopy de pelúcia...

Encontrar o melhor amigo anos depois sempre é interessante. Pode ser uma alegria total, pode ser incrivelmente triste. Só o passado une. Só a lembrança liga. Pois muitos seguem rumos distintos na vida, e o 'agora' torna-se uma esquina dentro de um futuro qualquer.

Admiro (em parte) aqueles que sustentam uma amizade com a mesma intensidade da infância, se é que isso existe. Uma amizade que passa por tudo e ainda se mantém. Mas eu e Bereca nunca brigamos, nenhuma ruptura violenta, trauma, nada.

A vida é mesmo um grande desencontro com pequenos encontros, e os Melhores Amigos são esses pequenos encontros. Gosto de pensar que os fios nunca partem, as parcas aqui não são cruéis, os fios apenas perdem força, mas nunca morrem.

Só o passado une. Só a lembrança liga. Pois muitos 
seguem rumos distintos na vida, e o 'agora' torna-se 
uma esquina dentro de um futuro qualquer.

Me incomodam muito as pequenas fotografias dos amigos de outrora nas redes sociais. Matam o brilho de um possível reencontro, tiram força da poética da imponderabilidade da vida. Prefiro sim o reencontro casual, par hasard, que traz de uma vez toda a carga afetiva, como um trovão. Prefiro o “sabe quem encontrei? Lembra do Paulinho? Por onde anda o Cabeça? E o Buiú? Lembra da Carol Tina Turner?”, mas isso, infelizmente, é analógico demais para os dias de hoje.

Bereca mora perto de mim. Sempre morou. Combinamos uma cerveja na São Salvador “com o resto da galera”. Não sei o que acontecerá. Acho que estamos velhos demais para subir no muro do 22 e fugir das vassouradas do porteiro, ou jogarmos bola na rua com gols de pedras, ou para jogar taco, bafo, tacar pedra na casa abandonada da rua Ipiranga, ou mesmo fumar maconha na varanda escondido da minha mãe, ou irmos para o baile funk do “Cerra Coral”. Bereca não gosta de poesia. Talvez surja algo, talvez não, mas, importa?

Resta a certeza que tivemos uma “infância feliz”, como se diz. Que fomos campeões com nosso lendário time 'Cobra' no campeonato da Amal, que nunca terminamos o RPG do X-Men na escada do prédio dele, que nossos pais pagaram a conta do elevador que quebramos no prédio ao lado da vila do Gordinho, e que eu, Bereca, Chicão, Maurício, Hudson, Léo, Fernando, Fabrício Djow, Willy, Boláin, Camila e toda a turma da rua e do prédio continuamos fazendo tudo isso junto, seja no canto mais florido do jardim escondido de nossas memórias, seja num universo paralelo e quântico onde nada se desfaz e tudo é infinito.


Pedro Lago é poeta.

*Foto do topo: Still do filme Conta Comigo (1986)

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