PEQUENO MANUAL PARA PEGAR UM TÁXI EM BEIRUTE


Pegar um táxi em uma cidade desconhecida é sempre uma aventura. Em Beirute, como na maioria das cidades do mundo árabe, é uma experiência antropológica. Neste pequeno guia vou apresentar as peculiaridades e o modus operandi da frota de táxis da capital do Líbano, bem como dar algumas dicas para o viajante estrangeiro.

A primeira característica interessante é que os táxis vão apanhando passageiros na rua como lotações. Não deixa de ser uma rica possibilidade de interação com a população local, pois a chance de pegar um táxi vazio é bastante pequena. Se você é antitabagista, mude de país. No Líbano todo mundo fuma em qualquer lugar. Não poderia ser diferente nos táxis, onde aproximadamente 90% dos motoristas e 50% dos passageiros fumam. Pratica-se a velha cordialidade entre os fumantes. Sempre que o motorista acende um mata-rato, oferece para os passageiros, e vice-versa.

Não podemos esquecer que os árabes são notórios comerciantes e mestres na arte da negociação. Sendo assim, alguns detalhes irrelevantes, como o taxímetro, são eliminados. O que determina o preço da corrida é uma barganha entre o motorista e o passageiro, ou seja, uma negociação entre nós – os gringos recém chegados – e um taxista, que singra as esburacadas ruas de Beirute desde antes da Guerra Civil. O idioma dessa negociação, claro, é o árabe – sim, prezado leitor, diferentemente do que os comerciantes da Rua da Alfândega no Rio de Janeiro proclamam, cheios de orgulho, pouquíssimos libaneses falam francês ou inglês. No interior do Líbano praticamente ninguém fala outra língua que não o árabe.

O visitante que chega na capital do Líbano percebe 
rapidamente que não é necessário fazer sinal para chamar 
um táxi, pois os motoristas abordam qualquer ser humano 
que esteja na calçada, parado ou em movimento, o que é, 
via de regra, bastante irritante quando não existe a 
intenção de embarcar no automóvel.

Portanto, a primeira medida é aprender a pronunciar corretamente em árabe o local de destino. Para exemplificar, vamos dizer que você queira ir para Hamra, o bairro que concentra os estrangeiros em Beirute. Primeiro você precisa aprender a falar “Hamra”, o que não é difícil. Qualquer coisa que soe próxima de ”Râmura” será entendida pelo motorista. No meu caso a tragédia era voltar pra casa quando tinha que dizer para o condutor “Mar Mikhael Nahr arib Jessr el-Hadid”, meu endereço.

Uma vez aprendida a pronúncia do local de destino, passemos agora à sucessão de eventos que perfazem um seguro e aprazível deslocamento pelas ruas de Beirute. O visitante que chega na capital do Líbano percebe rapidamente que não é necessário fazer sinal para chamar um táxi, pois os motoristas abordam qualquer ser humano que esteja na calçada, parado ou em movimento, o que é, via de regra, bastante irritante quando não existe a intenção de embarcar no automóvel.

A situação oposta – querer um táxi e não conseguir – é também irritantemente comum, pois o motorista só vai aceitá-lo como passageiro se o seu destino for conveniente para ele. Isso explica-se pelo fato do motorista, obviamente, não poder se desviar muito da rota acordada com os demais passageiros que já estão embarcados – a não ser que haja apenas um passageiro e que este seja um forasteiro.

Aconteceu comigo algumas vezes. Eu estava sozinho no táxi e o motorista foi pegando outras pessoas e desviando do meu caminho para deixá-los antes, transformando uma corrida de 20 minutos em um pinga-pinga de quase uma hora. Sendo assim, digamos que você esteja na beira da calçada com a intenção de pegar um táxi e é abordado por um taxista. Você diz “Hamra” e o motorista aceita o seu destino. Nesse momento inicia-se a negociação. Um parênteses importante: se o motorista não quiser levar você, ele simplesmente fará um sinal com a cabeça e seguirá em frente, sem dizer nenhuma palavra. Ocorre que o sinal de “não” feito com a cabeça no Líbano e em alguns outros países árabes é diferente da nossa rotação do pescoço de um lado para o outro. Consiste de um sutil olhar para cima acompanhado de uma leve elevação do nariz, num movimento que transmite para nós, os ocidentais (ou pelo menos para mim), uma demonstração de empáfia e indiferença digna da expressão de um dromedário – o que , após sucessivas repetições, pode afetar profundamente a auto-estima dos mais sensíveis.

Voltemos à negociação. Tenha em mente que um Dólar Americano corresponde a 1.500 Liras Libanesas. O preço padrão para o táxi lotação em Beirute é de 2 mil Liras Libanesas, o que é denominado “servisse”, e constitui o valor normalmente cobrado por uma corrida curta, a não ser que você seja um gringo. Existe o “servissen” com o “n” no final, que quer dizer o dobro, 4 mil Liras Libanesas, que é praticado quando a localidade de destino é mais distante. Depois vem o “taxi”, que quer dizer 10 mil Liras Libanesas. Entre o “servisse” e o “taxi”, negociam-se valores livres.

Portanto, prezado leitor, é importante aprender a contar até dez em árabe (entre parênteses, a pronúncia abrasileirada.):
1 – Wahad (uarrad)
2 – Ithnaan (nen)
3 –Thalaatha (tlet)
4 – Arba’a (arba)
5 – Khamsa (ramse)
6 – Sitta (sete)
7 – Sab’a (sabá)
8 – Thmania (tamânía)
9 – Tis’a (tisse)
10 – ‘Ashra (achra)

Ocorre que quando o motorista ouvir você arranhar a garganta tentando pronunciar fonemas impossíveis, tentando comunicar para onde você quer ir, invariavelmente vai pedir “taxi”, o que significa que ele vai cobrar 10 mil Liras Libanesas mesmo se você estiver indo só até a esquina.

Aí você tem duas opções: aceitar a facada ou retrucar.

Eu aconselho que você proponha “servissen”, 4 mil Liras. Muito provavelmente o motorista vai treplicar com um Thmania (8) ou Sab’a (7). Se você estiver inspirado, vale a pena lançar um Khamsa (5) para acabar fechando em Sitta (6). (Eu imagino que você, estimado leitor, já tenha abandonado este texto, que cada vez torna-se mais incompreensível. Se ainda estiver aí, peço desculpas, mas o entendimento da questão é mesmo complexo.) Negociação concluída, você entra no táxi e pode, ou não, socializar com os outros passageiros. Se você estiver de bom humor vale a pena dizer que é brasileiro, uma indefectível senha para atiçar a camaradagem em terras árabes e, em especial, no Líbano. No meu caso não só falava que era brasileiro, como dizia o meu nome e sobrenome o que, via de regra, provocava comoção nos motoristas mais velhos, que começavam um alegre colóquio em árabe comigo. Eu, que além de contar até dez e saber todos os palavrões, não falo mais que cinco ou seis coisas na língua dos meus ancestrais, consegui mais de uma vez manter algum tipo de conversação.

A mais interessante e duradoura foi com um simpático senhor que acendia um cigarro no outro enquanto buzinava sem parar, chamando todos os outros motoristas de “charmuta”. Num determinado momento entendi que ele queria me apresentar a sua filha. Mas nem sempre o motorista é seu futuro sogro, portanto é importante ter sempre o dinheiro trocado e pagar um pouco antes de chegar ao destino, para evitar qualquer malandragem de última hora.

Para terminar, um último detalhe: a frota de táxis de Beirute é absolutamente diversificada – encontram-se carros 0 KM junto a Mercedões antediluvianos. Diferentemente do Rio de Janeiro, onde sempre escolhia os táxis mais novos, em Beirute eu optava pelas latas velhas e seus falantes motoristas de cotovelo na janela e cigarro na mão, com quem sempre se pode trocar uma ideia. Em árabe.


Samir Abujamra é diretor de cinema e televisão.

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