Todos os pequeninos cantos obscuros dos amores que vivi estão vivos e luzentes vibrando em notas musicais. Muitas vezes pensei que se eu não fizesse uma música eu poderia não resistir e morrer. Mas isso não é o principal. Não pode ser o elemento principal da criação. Estar em casa e experienciar a tecelã que sou, fazendo crochet, esculpindo barro, limpando o quarto, entendendo meu gato, tudo isso deve ser a matéria principal de que é feito o meu objeto artístico. Em um determinado instante percebi que o material mais rico que tenho é a solidão.
Forçar isolamento não faz de ninguém um gênio.
As pessoas têm a ilusão de que precisam se enfiar no mato para escrever, cantar, gravar. Acho isso de um extremismo clichê assim como a minha primeira obsessão por inspiração romântica. A verdade é que eu nem sei se cheguei a amar. Tudo parecia uma vitrine. Meus amores sempre foram resultados da minha curiosidade estética. Uma vez comecei a namorar porque achei o rapaz um ser humano complexo e cheio de nuances e por isso de uma potência criativa grande. A realidade agora é a solitude e a vontade de criar algo sobre mim mesma. Que eu, em minha solidão, molde meus próprios parâmetros criativos.
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A verdade é que eu nem sei se cheguei a amar.
Meus amores sempre foram resultados da minha curiosidade
estética. Uma vez comecei a namorar porque achei o rapaz
um ser humano complexo e cheio de nuances e por isso de
uma potência criativa grande. O amor como pulsão de vida
se confunde com a comoção erótica da arte.
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Faço cursos sobre coisas que nunca experienciei, estudo poesia e teatro, acompanho o crescimento das plantas da sala. Tudo isso é matéria. Tudo é moldável e pode ser rearrumado. O amor como pulsão de vida se confunde com a comoção erótica da arte. Tudo pulsa em objetos arrumados de forma criativa. As notas, os móveis, as palavras, todas essas coisas têm um sentido quando rearrumadas de acordo com a nossa ordem interna fecundadora da tela em branco. Essa tela em branco metafórica é o tempo presente. Fazer pão, mexer em papéis, experienciar o silêncio, são atos artísticos. Não sei ao certo explicar agora o que é ser criativo pois para mim isso já ultrapassou a barreira das artes plásticas. A vida agora é mais importante. Todo esse assunto nos leva a tentar entender a performance como a arte última. Creio que seja mas tem algo além disso. Existe uma ínfima parte de nosso cotidiano que tem um brilho maior. Pequenos gestos que se tonam grandes. Viver o momento criativo enquanto se anda no chão frio com pés descalços. O deslocamento de foco de uma ilusão de amor romântico para o tempo presente como arte deve trazer muito mais vida ao que se cria.
Se nós mesmos despimos a arte e o processo artístico dos seus clichês, passamos a comer arte, andar sobre a arte, dormir com ela. Tudo que eu queria era entender melhor como transformar isso tudo em um produto final que seja consumível. Porque, sim, preciso ser consumida, quero ser consumida e consumir aqueles que me cercam. Dá para compreender o que digo?
A arte perdeu seus limites e barreiras. Tem que tomar um novo sentido. Mas como explicar isso? Entendendo tudo como vida e toda a vida como erótica e todo erotismo como fecundação e toda a fecundação como criação.
Alice Caymmi é cantora e compositora.
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