40 ANOS DA ESCOLA DE ARTES VISUAIS DO PARQUE LAGE



Este ano a Escola de Artes Visuais do Parque Lage completa 40 anos. Ontem, no aniversário do Rio de Janeiro, o parque e o casarão foram ocupados por inúmeras atividades. Música, dança, balões solares, poesia e até artes visuais. Sob nova direção, desde o ano passado, a EAV ganhou um novo fôlego transdisciplinar e volta a ser espaço de intensas pesquisas artísticas dentro do clima libertário que a caracterizou desde a primeira gestão de Rubens Gerchman, em 1975.

Tenho uma relação visceral com a escola desde as colônias de férias da infância, por ter acompanhado de perto quando Luiz Alphonsus, meu pai, foi diretor nos anos 90 e mais tarde sendo aluno. Quantas festas antológicas, quanta coisa aprendi por ali, quanta gente boa conheci. As histórias que pairam sobre e sob aquele cantinho da cidade remontam momentos fundamentais dos seus 450 anos. Lembro algumas delas aqui.

Aqui onde estamos um dia foi um Engenho onde escravos foram castigados e hoje um batuque, um batuque, um batuque. Os grilhões na antiga lavanderia, a capelinha e as cavalariças são memórias de outra época, quando o sujeito que deu nome à lagoa (Rodrigo de Freitas) comprou o engenho e transformou em fazenda. Já o casarão do Parque Lage é uma espécie de Taj Mahal brasileiro, foi erguido nos anos 20 com as argamassas do amor (e do dinheiro) de Henrique Lage pela cantora lírica Italiana Gabriella Besanzoni. Esse parque tem histórias que são suas, que são nossas, que começam pulando o muro que não existia na época na qual os jardins iam até a beira da lagoa e Besanzoni mergulhava cantando. Conta-se que os peixes colocavam a cabeça pra fora da água para ouvir e ver seu canto. Isso antes dos anos 30 quando essa arquitetura de castelo foi perfeita para ser transformada na fortaleza comunista que resistiu até 35 quando o governo Vargas derrotou os revoltosos em batalha na praia vermelha. Intentona comunista, chamaram os preconceituosos.

Aqui aos pés do Cristo o espírito festeiro de Besanzoni ainda paira, Chico Xavier psicografou sua voz melodiosa e encenou aqui a primeira ópera psicografada do mundo. Na mesa do salão nobre sapateiam os que ali foram velados, como Glauber Rocha, Odete Lara e tanta gente. Aqui nessa piscina é caldeirão de feijoada todo dia com Macunaíma derrotando o gigante e recuperando sua Muiraquitã. Em todo o canto é Terra em Transe então se concentre entre em transe e transe no terraço. A sala selada abaixo do salão nobre oculta os tesouros do desmonte do Morro do Castelo, túneis subterrâneos ligam essas câmaras secretas à lavanderia dos escravos, à Alto Paraíso e, é claro, Machu Picchu. Mas de todas essas histórias fantásticas conta-se uma que dizem ser mentira.

Foi numa segunda-feira de carnaval dos anos 60. Terça-feira gorda é feriado mas, mesmo pra quem não acredita, segunda de carnaval é dia útil. Aproveitando-se dessa brecha na lei de Momo Roberto Marinho organizou um leilão na data festiva e arrematou sozinho o Parque Lage na má intensão de construir o Projac ali. E a história poderia ser essa, não teria Macunaíma, Glauber Rocha, Zé Celso, Marcia X, nem ninguém hoje na piscina, tudo seria o estúdio 5 gravando o Caldeirão do Huck.

Mas alto lá, Carlos Lacerda era então governador do estado da Guanabara. Empombado que era com Roberto Marinho por motivos políticos e pessoais resolveu dar um castigo no nosso Mr. Burns. Lacerda desapropriou, estatizou e tornou o Parque Lage público. Não fez isso porque era bonzinho, mas por vingança pessoal, pra atacar o Dr. Roberto. O que é pior para um magnata capitalista do que tirar o que é dele e dar para o povo? Carlos Frederico Lacerda, que tinha esse nome em homenagem a Karl Marx e Friedrich Engels, era mesmo de direita, aliado aos udenistas, tentou derrubar presidente e o escambau. Já o Dr. Roberto dispensa apresentações.

Mas quando eu olho praquela piscina e sinto o cheiro dos corpos dos dois ardendo no feijão quente, eu os devoro sorrindo de como é bom ver dois reacionários se engalfinhando por mesquinharias pessoais, mas que acabam deixando, debaixo de cada árvore daquele parque, um sorriso de criança. Sorrisos que em 1975 viraram a potência da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. A história não parou por aí e muita gente seguiu construindo na raça a Escola enquanto outros, muitas vezes, tentaram tirá-la de lá. Por isso tomemos com carinho o Parque Lage, sempre lutando com amor para que ele seja para sempre de todos nós.


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DOMINGOS GUIMARAENS
Doutor em literatura brasileira, professor da PUC-Rio, integrante do OPAVIVARÁ! e colunista do ORNITORRINCO



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