No edifício Santos Dumont habita um restaurante que não frequento mais, uma delicatessen que vende uma água chamada Aquíssima, uma loja de utilidades domésticas onde eventualmente compro utensílios de cozinha e um centro da Nokia que vive com fila na porta. Todo dia vejo toda aquela gente enfileirada e fico com inveja desses felizes possuidores de botões e celulares que devem viver com 2 ou 3 dias de bateria. Parei mesmo no começo dos anos 2000, aquele tempo em que a sua conta de telefone aumentava quando você ultrapassava 50 torpedos.
Meu penúltimo Nokia era um modelo azul e branco que uma vez quase perdi na praia. Cheguei em casa, sacudi toda a areia e o telefone não caiu da bolsa. Uma vantagem: o Nokia caía quase todo dia e nada abalava seu funcionamento. Na ocasião meu pai voltou à praia e procurou Thiago, o barraqueiro que pouco antes me vendera um coco e me alugara um guarda-sol. Por alguma razão o aparelho demorou alguns dias para ser devolvido, mas voltou ligeiramente intacto. Mais alguns dias e descobri, horrorizada, uma foto do pinto do Thiago. Larguei o telefone na mesma hora, com um esgar de asco, e nem esse tombo traumático causou danos. Ainda assim, troquei de aparelho. De lá para cá tive um Nokia preto cujo teclado contemplava uma letra por botão, e resisti o quanto pude até migrar para um smartphone, convencida de que a designação não fazia jus ao que eu tinha em mãos. E nem existia o whatsapp ainda, essa praga.
Passada a euforia de poder me comunicar ilimitadamente por escrito, o whatsapp virou esse aplicativo que está sempre engarrafado de mensagens e grupos hiperativos. Como os charmeiros da Baixada, por exemplo.
Não sei como fui parar lá. Um dia um fulano me adicionou e sai à francesa. Em poucos minutos estava adicionada outra vez. Resolvi ficar e no fim do dia havia uma troca frenética de mensagens, áudios, músicas, emojis e nostalgia por parte desse grupo totalmente desconhecido. Alguém havia sido roubado na saída de um baile, perguntava quem tinha um Nextel para emprestar (“Não precisa ser o 3g”) e todos se lamentavam da violência no Rio e de não poderem mais curtir os bailes como antigamente. Fiquei comovida, mas discretamente me retirei de novo.
Uma semana se passou até que eu fosse novamente incluída. Eles me amam, pensei, e não tive mais coragem de fugir. Desde então recebi, em mensagens paralelas, anúncios de carros que não quero comprar, um aviso de promoção de uma loja de móveis e a divulgação de um show que devia ser bacana, mas que não fui por incapacidade de administrar tudo o que deve ser bacana num mesmo dia. A mim pareceu estranhíssimo que as pessoas respondessem animadamente dizendo “estarei lá” ou “arrasa, tô na Bahia” e afins, mas talvez eu fosse a única penetra do grupo incomodada – também não sei como fui convidada pra festa. Pensando retroativamente, perdi as contas das vezes que o Aécio apareceu, via um número desconhecido, pedindo meu voto.
Tenho convivido com esse grupinho do charme que, na última sexta de janeiro, comemorou os aniversários do primeiro bimestre pedindo a colaboração de salgadinhos. Lucia disse que levaria Cream Cracker piraquê (tomara que alguém tenha levado requeijão). Chiane mandou uma piada sobre a primeira vez (“tá sangrando” “depois eu ti limpo” “posso ver como é grande?” “tá bem, olha” “Ooh! Quando você vai arrancar o outro dente, doutor?”) e no fim riu sugerindo “mande para todas mentes poluídas”. Na sequência Luciana deu um recado: “Vamos lá, meninas, solta a Beyoncé que tem dentro de vocês agora”*, e logo se ouvia a introdução de “Drunk in love”. É uma relação de amor e ódio, como se pode ver: quero ser melhor amiga da Luciana, mas tá complicado de aguentar o Tony e todas as bolas fora que ele dá na conversa. Chiane também não é bolinho e abusa do bom senso nos emojis. Além disso, são umas 70 mensagens por dia. Por mais que você silencie o grupo, fica um mau Feng Shui.
Se fosse só isso não seria tão complicado, mas tem ainda o Instagram pra te lembrar de todo o seu equívoco nessa vida: eu não joguei flores para Yemanjá, não tenho uma foto decente do pôr do sol de Ipanema e nem minhas comidas parecem tão deliciosas quanto todas essas que engordam só de olhar. Por mais estranho que pareça, só estou verdadeiramente em paz com o aplicativo do banco.
Eu era mais feliz, é um fato: a inclusão digital não deu certo para todos. Daí a saudade do Nokia e o meu imaginário que acha que toda aquela gente no Edifício Santos Dumont parou no tempo como eu, numa era pré-comunicação e pré-gourmetização excessiva, pontuada por conversas em que as coisas se resolviam de forma muito mais eficaz e um debate voz a voz era suficiente para definir o conceito de salgado, que talvez até fosse mesmo um simples biscoito.
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