
Estou na página 126 de Graça Infinita, o recém-chegado título brasileiro de Infinite Jest, de David Foster Wallace, um tijolão de erudição futurista com 1.136 páginas, concluído, porém, nos velhos anos 90, em 1996, especificamente.
Se você jogar Infinite Jest na Wikipedia, você vai ver que as tentativas de enquadrar a obra em algum lugar são muitas: pós-modernista, metamodernista, realismo histérico, novela enciclopédica. A revista Time o colocou entre os 100 melhores livros escritos na língua inglesa desde 1923, o The Guardian falou da "concentração cósmica" necessária para a leitura, e, se você tentar comprar o exemplar americano na Amazon, vai ler no review que se trata de uma obra-prima super-hypada, de narrativas barrocas, erguidas nos detalhes e no exagero, com uma infinidade de referências da cultura americana e além.
DFW se matou em 2008, a depressão o perseguiu muito em vida. No ano seguinte, numa espécie de homenagem póstuma, Matthew Baldwin, criou o blog Infinite Summer, que propunha ao mundo a leitura coletiva do livro durante o verão daquele ano, uma média de 80 páginas por semana. A maratona tinha comentaristas para guiar o leitor e o espaço se tornou uma rede de troca de informaçōes e de ajuda mútua, na batalha para dominar o touro e dar conta do desafio proposto a cada parágrafo por Foster Wallace. Uma certa terapia de grupo para lidar com as sensações de amor e ódio, conquista e impotência, de descoberta e um 'sabe-nada-inocente' que o texto é capaz de gerar.
O esgarçamento de tudo (que é a forma como o livro opera, em inumeráveis camadas e, de fato, centenas de notas de rodapé) faz com que seja necessário parar e reler, e às vezes não entender mesmo. É parte do jogo perceber que DFW não tem limites. Pior, por mais redundante que seja, perceber que o cérebro dele não tem limites. Inteligentíssimo, filósofo, matemático, professor de Inglês e de Literatura, tenista. Sim, trata-se de um gênio. Que de tão gênio pode ser um mala tinhoso aqui ou ali.
E ele sabe abusar do adolescente sagaz que tem dentro de si. Sua escrita ganha a personalidade do personagem (e são muitos), suas soluções são irônicas, subversivas, equacionadas. Consegue ter, na palavra, o vocabulário e o ritmo da engrenagem corporativa, que tomou conta do tempo faz tempo - os anos em Graça Infinita são todos "subsidiados" por marcas, e a maior parte do livro se passa no Ano da Fralda Geriátrica Depend.
DFW adora o som das siglas, esse carimbo que institucionaliza e agrega poder às estranhas manias da gente, no caso, dos americanos. Desde as agremiações juniors de esportes, como a Enfield Tennis Academy, a ETA (DFW era um apaixonado, leia o ensaio Federer como experiência religiosa, do livro Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo), à Associação dos Cadeirantes Assassinos (AFR, na sigla em Francês), passando pelos Serviços Sem Especificidade, Foster Wallace gosta de explanar o que está subdito. E ele também gosta de inventar palavras (como essa que me veio para falar das coisas de compreensão latente), principalmente advérbios e nomes maiúsculos para funções de personagens, como a Artista de Apropriação, por se apropriar desse jeito mesmo que você está pensando.

Essas poucas pistas aqui não são nada perto da piada literalmente infinita que DFW faz sobre o Entretenimento, também maiúsculo. Não há como dizer mais sobre o livro, nem me arrisco, ainda me faltam mil páginas. Mas sugiro que você se junte ao Verão Infinito brasileiro, capitaneado por Felipe Cordeiro, do site Posfácio.
Se você está chegando desavisado ao navio de DFW, não se assuste, espere o caldo passar e siga na onda. Graça Infinita é bem diferente dos ensaios do autor, que fizeram me apaixonar por este americano do meio-oeste, com cara de vocalista de banda de rock de Seattle, adepto da bandana e suicida. É bom começar por eles. Mas se for para pegar carona no cruzeiro da leitura coletiva do verão, se joga no tijolão para dividir experiências alucinógenas com outras pessoas.
PS: Há, ainda, um livro a se voltar depois da leitura de Graça Infinita que é o diário de viagem de David Lipsky com DFW. Lipsky era repórter da revista Rolling Stone e foi mandado para acompanhar a turnê de lançamento de Infinite Jest nos EUA com a missão de escrever um perfil do autor. Tá tudo lá em Although of course you end up becoming yourself.
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