O ESCRITOR NO EXÍLIO - AS DICAS E ANGÚSTIAS NA BUSCA POR DISCIPLINA E MÉTODO


Com tantas janelas abertas, redes sociais, aplicativos, feed de notícias, links, hiperlinks, fica difícil se concentrar para executar um trabalho de forma objetiva e ininterrupta. Principalmente se você tem uma atividade essencialmente solitária como escrever, pintar, desenhar, fazer crochê. Nos dias de hoje basta estar acordado para se conectar e trocar informações, entrando assim num fluxo diário de distrações sociais. Eu me pergunto: como e quando um escritor consegue escrever? Ter uma disciplina pode melhorar o desempenho, mas é preciso se preparar e ter força de vontade para seguir em frente.

Tenho pensado muito sobre a importância de alcançar um equilíbrio entre atividades sociais e a solidão necessária para o processo artístico, visto que hoje uma das grandes dificuldades é conseguir se desplugar. Por isso muitos artistas costumam viajar para o campo ou para uma vila no litoral em busca de tranquilidade para conseguir prosseguir no trabalho. Como não tenho disponibilidade para me colocar nesse auto-exílio, tento criar uma ilha dentro da cidade onde moro para conseguir escrever. Fico contente a cada meta alcançada e a cada dia cumprido. Abaixo relato duas das minhas inspirações nesse processo.

David Foster Wallace é mais conhecido por ter escrito um romance de mais de mil páginas, que acabou de ser publicado no Brasil com o título Graça Infinita, mas foi também um excelente ensaísta. Em alguns de seus ensaios ele tentou escrever sobre ter uma vida mais produtiva. DFW se matou em 2008 aos 46 anos de idade e embora tenha publicado poucos livros, ele é considerado um dos escritores mais instigantes e interessantes deste século.

Em uma carta que escreveu para o escritor Don DeLillo, DFW revela sua agonia (em tradução tosca feita por mim):
Você tem uma rotina diária para escrever? Você escreve entre intervalos ou faz tudo de uma só vez? Mais importante, você consegue manter essa obrigação diária, dia após dia? Você tem dificuldades com procrastinação, abandono, falta de disciplina? Se sim, como você consegue superá-las? Eu pergunto porque fico frustrado não apenas com a lentidão do meu trabalho mas também com meu ritmo errático. E te pergunto apenas porque você aparenta conseguir produzir bastante e se manter contínuo – tem conseguido publicar todos os anos durante duas décadas e não aparenta ter outro trabalho ou qualquer coisa que possa aliviar (o que eu acho ser) o esforço da auto-partida diária e auto-disciplina com a tentação de abandonar tudo. Qualquer palavra ou dica será apreciada e mantida em sigilo.
Durante uma entrevista para o escritor Dave Eggers, da revista Believer, Foster Wallace conta seus esforços:
A questão é que eu trabalho principalmente em casa agora, embora saiba que trabalharia melhor, mais rápido e mais concentrado se fosse para um outro lugar. Se não estou conseguindo render, então tento ter certeza de que, pelo menos, durante algumas horas da manhã eu vou separar para esta coisa chamada Trabalho. Se estou conseguindo render, então eu costumo seguir trabalhando de tarde também. Mas é claro que se estou indo bem, então não me sinto seguindo uma disciplina porque Trabalhar é o que eu estou querendo fazer. O que acontece é que quando estou indo bem, todas as minhas rotinas e disciplinas voam pela janela simplesmente porque eu não preciso delas, e quando tudo vai mal eu tento reconstruir essas disciplinas e hábitos. O que quero dizer é que a forma como trabalho é caótica, pelo menos comparada com o processo de escrita de outras pessoas que eu conheço.
Apesar do que ele considera caótico, David Foster Wallace foi incrivelmente produtivo e continuou persistindo e escrevendo constantemente durante anos.

Criar um equilíbrio entre distração e concentração é importante. Só que rotinas funcionam de formas diferentes para cada um.

David Foster Wallace

Karl Ove Knausgaard

O escritor norueguês Karl Ove Knausgaard se submeteu à um método rigoroso para produzir os seis volumes da série Minha Luta. No segundo volume ele conta bastante sobre sua rotina de escritor e como conseguiu manter o prazer no hábito de escrever após ter tido filhos. Para conseguir escrever, Knausgaard criou uma disciplina que se baseava em quantidade e não qualidade: escrever no mínimo cinco páginas por dia. Depois da primeira semana de trabalho ele aumentava a meta para seis páginas, e depois para sete e depois para oito e assim por diante até terminar. Puxado, não? Mas o método deu certo, afinal, produziu seis livros robustos.

Não é fácil ter um ofício onde o maior compromisso é consigo mesmo. Convites para festas, para bares, almoços, jantares, jogos do seu time, estreias de filmes, peças, livros para ler ou a vontade de terminar aquela série antes que alguém lhe sopre algum spoiler, podem atrapalhar o progresso do trabalho. Isso sem falar que praticamente todo escritor brasileiro tem que conciliar a escritura de seus livros com algum outro ofício que lhe renda dinheiro.

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Como tenho que me dividir entre diferentes afazeres, tive que criar uma disciplina que é um misto das duas acima mais métodos que aprendi em cursos de Escrita Criativa, para continuar tocando meus projetos de forma que me dê prazer e que não me force a abandonar o barco antes de construído. Acordo toda manhã e logo depois do café faço uma lista do que tenho pra fazer no dia. Se tiver algum trabalho com prazo apertado, procuro resolvê-lo. Depois, com o tempo livre, foco no processo do meu livro escrevendo cinco páginas todos os dias – quase sempre acabo me empolgando e escrevendo mais. Quando termino, vou ler um livro, notícias, artigos, posts, vejo um filme ou um vídeo, depois dou uma corrida de 40min, volto pra casa, janto e volto a ler até a hora de dormir. No outro dia faço a mesma coisa. Tento não sair durante a semana para não perder o fluxo de trabalho.

Para ser escritor é necessário imaginação e coragem. Embora seja um ofício extremamente necessário, é muito pouco estimulado. Pela sociedade, pelos familiares, pelo dinheiro. Imaginação e Coragem. Principalmente porque quando faltar a coragem, só a imaginação poderá lhe salvar. E quando faltar a imaginação, você terá que contar com a coragem para seguir adiante.




Gabriel Pardal é editor do ORNITORRINCO.
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