Alguém me sacode na cama dizendo: "Acorda, já é 2015!, ano novo, vida nova!" Abro os olhos, esfrego os olhos, tento encontrar de onde vêm a voz e a mão que me cutucou, mas não vejo ninguém, estou sozinho no quarto. "Mas, como?", eu pergunto, "A crise da Petrobras, a Supervia fazendo merda, a marta Suplicy dando show em vez de meter o pé e seguir seu rumo... tudo isso não é coisa de 2014, como podemos estar já em 2015?", eu pergunto.
"Você não viu a queima de fogos? Você não viu as mensagens de feliz ano novo que te mandaram? Você não mandou mensagens de feliz ano novo?", me pergunta a voz que se projeta do invisível. "Sim, fiz tudo isso", respondo, "mas quando vi as notícias sobre a virada do ano no jornal do dia 01, tudo parecia uma videotape da virada de 2000, de 1998, de 1995... matérias iguais, pessoas dizendo as mesmas coisas sobre as impressões que tiveram de Copacabana em entrevistas barulhentas; o chefe da polícia dizendo que tudo ocorreu dentro da normalidade, com a exceção de alguns pequenos incidentes nada extraordinários."
"Então você sofre do mal da memória?", pergunta a voz, com um tom sarcástico, quase ofensivo. Viro o rosto, abraço o travesseiro e tento pegar no sono outra vez. Olhei as horas e não passava das nove. "E da memória cega, que não consegue enxergar o novo?", continua a voz, tentando me atingir de alguma maneira com alguma filosofia sabe-se lá de que ocidente. "Então você sofre da memória cansada? Da memória que escreve com tinta indelével as coisas mais repugnantes? Acorda, olha a vida! Olha 2015, já chegou! Desse jeito, ele vai passar e você não ver bosta nenhuma!"
"Já vejo", respondo, "parece que não, mas vejo, vejo com os olhos fechados e com a memória abarrotada a ponto de não querer guardar mais nada; mas não se preocupe, estou bem, só preciso dormir mais um pouco. Em dois dias, três ou quatro, ou quem sabe no fim do mês, isso vai passar. Se já é 2015, então, daqui a pouquinho vem o Carnaval e todos poderemos colocar máscaras por cima das nossas máscaras. Todos poderemos cantar e dançar, enquanto o Pierrô lamenta sua eterna angústia, único representante da realidade, no meio de uma imensa fantasia."
"Você já leu o jornal de hoje?", a voz pergunta. "Sim", eu repondo, "li enquanto dormia." "Então você já sabia que é 2015?", a voz pergunta. "Sim", eu respondo, "sabia enquanto dormia." "Então você estava acordado esse tempo todo?", a voz pergunta. "Sim", eu respondo, "estava acordado enquanto dormia."
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