MINHA POUCA MASCULINIDADE


Meu pai é do caralho. Desculpa começar assim, direto e reto. Essa frase, ademais, é perigosa: a disposição do “i” e do “u” no teclado pode meter a gente naquele problemasso sem querer e tudo virar um meu pau é do caralho – o que é totalmente o oposto da minha questão aqui. Meu pau não vale nada. É só um órgão – que sobe, ou não. Meu gênero não vale nada. É só um lance genético entre x e y mais um lance que sequer esqueci, porque nunca aprendi.

Meu pai é do caralho porque cagou, e andou, pra mim e pra minha masculinidade. Sem dizer, ele disse “vai, cara, ser qualquer coisa na vida.”

E fui.

Felizmente, aos 15 anos, meu pai me deu uma bateria: tambores e pratos e barulho. Meu pai não me levou pra um puteiro. Meu pai não me incentivou a ser macho. Meu pai não me comprou sequer revistas de sacanagem. Assumo, aqui, total responsabilidade pelos três anos de assinatura da playboy: fui eu que pedi. Na playboy você aprende que pererecas são todas iguais, depois descobre que eles tem uma linha editorial de bucetas. Que merda. Sempre, absolutamente sempre tudo errado. Felizmente eu tive um pai, não um Bolsonaro ou um macho alfa na minha vida.

Bato na tecla pai porque fora de casa o bagulho é pior ainda. Bato na tecla pau porque nascer homem num mundo de homens que vieram antes de você torna o fato de ser homem um fardo, irmãos e irmãs.

Se se é homem, e gente, também não é fácil. Acreditem. Não entendemos o império do pau duro e da macheza. Veja bem, menino. (Ali abriu-se aspas). Tu vai crescer e ali pelos 13, ou 14 anos, tu vai comer uma buceta, mas come direito, não broxa nem titubeia, tu é homem, pode crer?

E essas aspas não se fecham nunca. Você vai seguir ouvindo toda sorte de merda que for possível. Não se abre nenhuma aspas, porém, pra dizer “Veja bem, menino, pode ser que tu não goste de perereca. Pode ser, inclusive, que tu não goste de nada. Pode ser, pode crer?

Tudo é sobre impressionar.

Tudo é sobre se impor, ser maior, ser o homem.

No topo dos 14 anos todo moleque já comeu alguém. Mentira. Depois, sabemos. Ninguém comeu ninguém e numa cadeia interminável de mentiras juvenis and viris, alimentadas por uma cultura extremamente babaca, um bocado de moleque traumatiza. Caralho! Se todo mundo comeu todo mundo, eu tô lesando, e na hora que for comer alguém vão sacar que sou virgem, por deus, que vergonha. Essa traumatizada leva ao medo extremo e ele vai acabar não trepando até seus 18 anos. Mas aí fodeu. A vergonha vai ser ainda maior na hora que a mina descobrir que nunca comi ninguém. Aí ele vai acabar não trepando até os 21.

Carajo.

Alguém fala pra esse menino que tá tudo bem.

Trepar é a coisa mais velha, simples e complexa de que se tem notícia no mundo. Acontece que envolve corpos, e almas, e o caralho a quatro, diferente do que a gente aprende. A gente aprende que tem um pau DURO pra meter num buraco sem nome ou sobrenome. Calha de ir tudo lindo, ou calha de ir tudo péssimo. Aí, na hora lá, a H, a menina pega no teu pau. Você goza de pau mole. Você morre de vergonha e entra no ostracismo mais um tempo. Aí você tenta de novo e teu pau não sobe e tenta de novo e não goza nunca. É tudo trauma pra caralho. Você é homem, ora e bolas.

De repente, peraí com força: tem alguém do outro lado. Tem uma menina debaixo de ti, ou em cima, ou do lado: tudo misturado, que seja. Você descobre a tempo. Tem alguém do outro lado e vocês têm mãos, e boca, e língua, e coração. Você descobre que tudo isso não é sobre você e teu pau, mas sobre você e mais alguém – que quer teu pau, teu lance, teu corpo, quer gozar também. Nossa, mulher goza? E o mundo desaba. Você descobre que não é a mesma coisa uma solitária gozada. Somos eu e você, o grito em uníssono diz muito mais.

Mundo desabado, tu dá uma enxugada na culpa que carregou a vida inteira. E broxa, e goza, e delicia-se e faz qualquer coisa – à la vontê.



David Benicá é poeta, integrante da TV Quase e colaborador do ORNITORRINCO.


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