O quão estranho é não mais se olhar no espelho e ver corpo de adolescente? Sinto corpo de mulher. Não sei exatamente o que mudou ou se algo realmente mudou. Se foram os olhos. Se foram os peitos que cresceram, de lado, de frente, caindo, gravidade. Não sei. Mas é inegável que tem um quê o qual intriga, deixa pulga atrás da orelha. Que instiga a cada tirada de peça, um olhar demorado.
Na espreita, paro em frente ao vidro e vejo: sim, se passaram dez anos. Daquele tempo tão marcado de saída do Ensino Médio. Meu coração estava um reboliço danado, namoradinho que me largava e deslargava sem fim, mudança de colégio, cabelos à
la morissete, rebeldia que só tinha nas músicas e agendas rabiscadas.
 |
Calvin and Hobbes |
Hoje é ao dirigir e ir dar aula que me pego ouvindo as mesmas músicas, quase no mesmo volume. Mais alto, até. Este corpo hoje fala, tem forma, tem até conteúdo. Certa experiência, certos gritos, certas marcas. Não sabe muitas vezes dar voz ao gemido encolhido, embora quando solte, seja som de música, de amor, de sinceridade. Peco por entregar demais aquilo que faz sonhar, mas que assusta também. As membranas e limites todas ficam submetidas à teste, à tentativas. Padeço porém, de uma prudência descabida, que aparece do nada, sendo timidez em horas escolhidas a dedo. Escondo o rosto e abro o peito. Grito descabelada e sinto desmedida. Falo falo falo falo e a garganta seca, esturrica, pede mais. Silencio quando esgotada. Silencio quando entalada. E então, explodo. Choro também, quando cabe, ou melhor: quando não cabe mais. Fico tonta, mudo de olho, não sinto cheiro, lembro de todos os cheiros, chego de perto, dou um zoom, aprecio, sinto, quente, tato. Corto unha, quebro dente, tiro pelo, corto cabelo, esfolio pele, espremo cravo, perfumo tudo.
Claro, por motivos. Claro, por amor. Também por medo. Morte, corpo, fim. O trágico inevitável, na redundância que pode ser. Corpo que sente e habita. Caminha e flutua. Existe.
Paula Maria é psicóloga.
*Imagem: Ephlin Cheng
Nenhum comentário
Postar um comentário