A Rússia invadiu a Crimeia, sul da Ucrânia, não há dúvidas disso. No entanto cabem muito mais avaliações sobre a legitimidade desta ingerência e o que ela significa no mapa das relações geopolíticas do que uma condenação sumária e estéril.
Não é preciso ser muito perspicaz para perceber que boa parte dos grandes veículos de imprensa do ocidente vem tratando a invasão Russa como sendo um desrespeito profundo não apenas contra a soberania ucraniana, mas como ofensa direta a todo o planeta. Segundo eles, todos deveriam se solidarizar com o governo interino ucraniano – este nunca questionado de sua “legitimidade” – e condenar o avanço de Moscou. A Rússia é mais uma vez decretada uma nação pária.
Contudo poucos fizeram ou fazem observar a cara mal lavada do discurso oficial dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte, especialmente dos Estados Unidos, ao reclamarem para si o poder de decidir o que deve e o que não deve ser feito no que concerne aos conflitos pelos quatro cantos.
Não é preciso ir muito longe na história para perceber a hipocrisia destes guardiões da conduta ética. Se não quisermos tocar no fresco e mal digerido caso líbio, basta visitar um capítulo emblemático e também recente: a invasão do Iraque por forças americanas, que fez reviver na antiga Mesopotâmia a “babilônia”. O pretexto da excursão bélica, nunca autorizada pela Organização das Nações Unidas, era a busca por armas de destruição em massa – que jamais foram encontradas. Pelo contrário, tudo não passou de uma gigantesca máquina de propaganda enganosa, como ficou devidamente atestado.
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Do cume de seu poderio militar gigantesco e sem par, de sua
indústria cultural onipresente e hipnótica e de suas afiadas garras
econômicas, os EUA não encontram concorrentes na difusão do seu
american way of life. Hoje um selfie que dá sinais de desbotamento.
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Que moral tem as instituições do poder dos Estados Unidos para dizer o que é e o que não é “legal” no caso da invasão Russa ao território da Crimeia? Nenhuma. Quem diz o contrário não está à favor de maior democracia, senão de permitir aos “americanos” que exerçam o papel de polícia mundial, um papel inaceitável para aqueles que acreditam na autodeterminação dos povos.
Não quero defender ingenuamente toda e qualquer pretensão russa na Crimeia, área que hoje pertence ao território ucraniano, mas há muito mais atenuantes no caso em questão do que a maioria esmagadora das dezenas de intervenções dos novos ingleses ao longo da história.
Primeiro, o governo de Kiev caiu por mãos de grupos de tonalidades claramente nazistas, como é feito conhecer por notícias mais comprometidas com um amplo escopo do que ali se passa. Segundo, a Crimeia praticamente solicitou a intervenção russa por conta do desarranjo interno que vive o país, que impede inclusive o ensino oficial do russo na área que é formada por maioria russa e que outrora foi parte, ela mesma, do maior dos países eslavos.
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Grupo nazista durante protestos em Kiev. |
Vale lembrar algo que um dos mais importantes antropólogos estadunidenses, Edward Sapir, soube sondar no caráter russo:
“Nas relações pessoais, podemos observar a curiosa disposição do russo para ignorar todas as barreiras institucionais que separam os homens entre si; no seu aspecto mais fraco, isto envolve por vezes uma irresponsabilidade pessoal que nenhuma insinceridade abriga.”
Acima de tudo importa destacar que a Rússia não é o único país a ter “interesses” em suas ações, como quer fazer crer essa opinião enlatada, automática e pueril. Todos tem “interesses” e vão lutar por eles, alguns de maneira direta, outros de maneira falsificada, além é claro de algumas ações que não acontecem primordialmente por tais sortes de “interesses”. Neste caso é possível até dizer que soou em intenso tom o último destes, sendo a população da área predominantemente russa.
Deus, se existe, até hoje não desceu à Terra anunciando seus desígnios e representantes para toda a humanidade e, assim, não fez conhecer nenhum destino manifesto como reivindica a doutrina estadunidense. Do mesmo modo não se pode desconhecer, pelo exame da história, que nações detentoras de grande poder buscam submeter, por quase todos os meios disponíveis, a vontade de outros povos. Ainda que se passem por defensores do interesse genuíno destes e dos valores humanos.
Pouco após o fim da União Soviética (consequentemente da alcunhada guerra fria) alguns intelectuais cogitaram vender a tese de que o mundo vivia um quadro multipolar de forças, onde muitos países também passavam a influenciar nos rumos globais. Uma proposição cegueta no berço, porque os Estados Unidos é que estão a dar as cartas e até aqui vigora a “Pax Americana”.
Do cume de seu poderio militar gigantesco e sem par, de sua indústria cultural onipresente e hipnótica (Hollywood como maior símbolo) e de suas afiadas garras econômicas (como locomotiva consumidora de considerável fatia de toda a produção mundial, destacada posição no desenvolvimento tecnológico científico e detentor da moeda comercial internacional, o dólar, desde 1973 sem lastro) os Estados Unidos não encontram concorrentes na difusão do seu american way of life. Hoje um selfie que dá sinais de desbotamento após a crise da bolha imobiliária e a crescente concentração de riqueza na mãos de cada dia mais poucos gringos, o que está fazendo crescer o descontentamento interno.
E se não existem compartilhamento de governança e alianças sinceras, como evidenciou de mais uma forma as revelações de Snowden ao denunciar o imenso programa de espionagem dos EUA, existem resistências e tensões prontas a defenderem interesses soberanos contra as investidas capitaneadas pelos ianques de cooptarem ou submeterem os grupos dirigentes de cada nação em benefício deles.
Os Estados Unidos assistem agora ressurgir da hibernação o urso asiático de traços europeus. Legal ou ilegal (magnéticos processos sociais estão acima de legislações), o resultado do plebiscito que se avizinha na Crimeia pode significar, agora sim e pós muro de Berlim, que é possível que emerja um globo com forças mais diversas, onde nem todos estão de acordo quanto a um alinhamento automático com a “Pax Americana” e onde “outros” também fazem valer suas vontades.
Acima de tudo importa destacar que a Rússia não é o único país a ter “interesses” em suas ações, como quer fazer crer essa opinião enlatada, automática e pueril. Todos tem “interesses” e vão lutar por eles, alguns de maneira direta, outros de maneira falsificada, além é claro de algumas ações que não acontecem primordialmente por tais sortes de “interesses”. Neste caso é possível até dizer que soou em intenso tom o último destes, sendo a população da área predominantemente russa.
Deus, se existe, até hoje não desceu à Terra anunciando seus desígnios e representantes para toda a humanidade e, assim, não fez conhecer nenhum destino manifesto como reivindica a doutrina estadunidense. Do mesmo modo não se pode desconhecer, pelo exame da história, que nações detentoras de grande poder buscam submeter, por quase todos os meios disponíveis, a vontade de outros povos. Ainda que se passem por defensores do interesse genuíno destes e dos valores humanos.
Pouco após o fim da União Soviética (consequentemente da alcunhada guerra fria) alguns intelectuais cogitaram vender a tese de que o mundo vivia um quadro multipolar de forças, onde muitos países também passavam a influenciar nos rumos globais. Uma proposição cegueta no berço, porque os Estados Unidos é que estão a dar as cartas e até aqui vigora a “Pax Americana”.
Do cume de seu poderio militar gigantesco e sem par, de sua indústria cultural onipresente e hipnótica (Hollywood como maior símbolo) e de suas afiadas garras econômicas (como locomotiva consumidora de considerável fatia de toda a produção mundial, destacada posição no desenvolvimento tecnológico científico e detentor da moeda comercial internacional, o dólar, desde 1973 sem lastro) os Estados Unidos não encontram concorrentes na difusão do seu american way of life. Hoje um selfie que dá sinais de desbotamento após a crise da bolha imobiliária e a crescente concentração de riqueza na mãos de cada dia mais poucos gringos, o que está fazendo crescer o descontentamento interno.
E se não existem compartilhamento de governança e alianças sinceras, como evidenciou de mais uma forma as revelações de Snowden ao denunciar o imenso programa de espionagem dos EUA, existem resistências e tensões prontas a defenderem interesses soberanos contra as investidas capitaneadas pelos ianques de cooptarem ou submeterem os grupos dirigentes de cada nação em benefício deles.
Os Estados Unidos assistem agora ressurgir da hibernação o urso asiático de traços europeus. Legal ou ilegal (magnéticos processos sociais estão acima de legislações), o resultado do plebiscito que se avizinha na Crimeia pode significar, agora sim e pós muro de Berlim, que é possível que emerja um globo com forças mais diversas, onde nem todos estão de acordo quanto a um alinhamento automático com a “Pax Americana” e onde “outros” também fazem valer suas vontades.
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