Tenho vivido muito a cultura americana desde que decidi que deveria assistir as suas séries de TV. Para além da imersão na França, com dedicadas aulas de francês, para além da rendição aos ingleses, pelos programas de culinária da BBC, agora são os americanos que me saltam aos olhos como estudo do ser humano, como entendimento do que está aí no tempo presente. E isso não é novidade no mundo desde 1945.
De tudo isso, comecei a prestar atenção na redundância da fórmula, que pode ser resumida no clichê “american way of life”. E, talvez, essa abundância de séries americanas de agora, seja, além de uma percepção de mercado, uma releitura do que chamávamos de enlatados nos anos 90. Algumas com qualidade incrivelmente superiores, roteiristas primorosos e cineastas gigantes (aqui uma ressalva para David Lynch em Twin Peaks, ainda nos anos da TV de tubo), que, vez ou outra, passeiam no mundo da televisão por diversão e para ganhar um dinheiro mais fácil do que em longas-metragens. Mas, como sempre, tem as séries do jogo ganho, daquela trama pipoca que derrapa em falhas de roteiro para dar soluções out of the blue ao enredo. Na minha opinião, é o caso da construção dos episódios de Homeland, por melhor que eles terminem.
Listei então – porque eu gosto de fazer listas – um conjunto de situações repetidas nos últimos seriados a que assisti. House of Cards (com um Kevin Spacey excepcional, a segunda temporada estreia dia 14 de fevereiro); Mad Men (a melhor, e que está me fazendo sofrer de abstinência até abril); Breaking Bad (foi um alívio terminar as 6 temporadas e os sonhos permeados por armas e metanfetaminas); e, agora, Homeland. Acrescento que essa lista foi escrita a partir de observações pessoais, contaminada pelos meus últimos meses passados na companhia da leitura do David Foster Wallace, e dos delírios nas madrugadas frente à TV. Porque tem uma hora que frita.
Aqui vai:
– Americanos gostam de enterrar coisas. Segredos, principalmente.
– Cenas de café da manhã com cereais ou ovos estrelados têm de estar presentes, afinal os personagens tomam café da manhã. Mas tá aí um bom momento para acontecer um desentendimento, uma porta batida, alguém que restou pensativo e solitário.
– A chatice adolescente para gerar conflitos em casa, e normalmente entre os pais, separados ou em crise. Vida real.
– Apresentação de final de ano do balé ou do karatê que o pai faltou.
– O filho mais novo em segundo plano, em decorrência da importância da chatice adolescente do primogênito para o enredo.
– Vícios: álcool, remédios, drogas, poder, dinheiro, mulheres. Tornam a trama mais quente, reveladora de submundos que o espectador não frequenta, gera pena de uma Claire Danes (Homeland) psicótica ou nos faz imaginar o prazer delirante de deitar sobre uma montanha de dinheiro (Breaking Bad).
– Citação militar: Don Draper é Don Draper (Mad Men) depois de renegar sua identidade e abandoná-la nas trincheiras coreanas. A ode aos veteranos, o FBI e a CIA, lembrando em que mundo ameaçado estamos.
– Traição feminina como troco para a vida livre masculina.
– E há sempre uma porta nos fundos para escapar.
– Encontros constrangedores de todo tipo no elevador, essa locação-chave.
– A janela como um recurso de vigilância, doméstica, passional, política.
– As SUVs, aquelas caminhonetes enormes representantes da megalomania americana.
– Uma família e o eterno esforço em cumprir o faz de conta que está condenado ao fracasso.
– A maldade que aumenta e aumenta até que o espectador a julgue patológica, gerando uma confusão de sentimentos em torno do personagem apegado.
– A cama do casal, onde tudo isso se reúne.
Eu sigo assistindo, subtraindo horas de páginas não lidas e somando noites de mergulho na cultura pop, na televisão em que me insiro, na cultura do espetáculo, pensando em Baudrillard e Debord. Tentando acreditar que é uma falácia a prerrogativa de que produções para a internet (e o que é o Netflix?) devem ser curtas porque há muito com o que se distrair e pular na barra que custa a carregar. Estamos vidrados em 47 minutos de episódios, que, frequentemente, são assistidos em sequência. Mérito dos americanos de não nos deixar entediados em 3 horas de suspense, traição, tiroteios e apego, traduzidos em olheiras, se o relógio tiver que despertar no dia seguinte.
Tenho pensado como isso influencia no meu trabalho, que nada tem da sabedoria pop americana. Mas percebi que essas séries me fazem tentar, cada vez mais, apresentar meus vídeos e filmes (e é difícil assumir e saber se o que eu faço é filme) de 12, 17, 40 minutos, para espectadores na rede, que é onde estamos sentados.
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– Americanos gostam de enterrar coisas. Segredos, principalmente.
– Cenas de café da manhã com cereais ou ovos estrelados têm de estar presentes, afinal os personagens tomam café da manhã. Mas tá aí um bom momento para acontecer um desentendimento, uma porta batida, alguém que restou pensativo e solitário.
– A chatice adolescente para gerar conflitos em casa, e normalmente entre os pais, separados ou em crise. Vida real.
– Apresentação de final de ano do balé ou do karatê que o pai faltou.
– O filho mais novo em segundo plano, em decorrência da importância da chatice adolescente do primogênito para o enredo.
– Vícios: álcool, remédios, drogas, poder, dinheiro, mulheres. Tornam a trama mais quente, reveladora de submundos que o espectador não frequenta, gera pena de uma Claire Danes (Homeland) psicótica ou nos faz imaginar o prazer delirante de deitar sobre uma montanha de dinheiro (Breaking Bad).
– Citação militar: Don Draper é Don Draper (Mad Men) depois de renegar sua identidade e abandoná-la nas trincheiras coreanas. A ode aos veteranos, o FBI e a CIA, lembrando em que mundo ameaçado estamos.
– Traição feminina como troco para a vida livre masculina.
– E há sempre uma porta nos fundos para escapar.
– Encontros constrangedores de todo tipo no elevador, essa locação-chave.
– A janela como um recurso de vigilância, doméstica, passional, política.
– As SUVs, aquelas caminhonetes enormes representantes da megalomania americana.
– Uma família e o eterno esforço em cumprir o faz de conta que está condenado ao fracasso.
– A maldade que aumenta e aumenta até que o espectador a julgue patológica, gerando uma confusão de sentimentos em torno do personagem apegado.
– A cama do casal, onde tudo isso se reúne.
Eu sigo assistindo, subtraindo horas de páginas não lidas e somando noites de mergulho na cultura pop, na televisão em que me insiro, na cultura do espetáculo, pensando em Baudrillard e Debord. Tentando acreditar que é uma falácia a prerrogativa de que produções para a internet (e o que é o Netflix?) devem ser curtas porque há muito com o que se distrair e pular na barra que custa a carregar. Estamos vidrados em 47 minutos de episódios, que, frequentemente, são assistidos em sequência. Mérito dos americanos de não nos deixar entediados em 3 horas de suspense, traição, tiroteios e apego, traduzidos em olheiras, se o relógio tiver que despertar no dia seguinte.
Tenho pensado como isso influencia no meu trabalho, que nada tem da sabedoria pop americana. Mas percebi que essas séries me fazem tentar, cada vez mais, apresentar meus vídeos e filmes (e é difícil assumir e saber se o que eu faço é filme) de 12, 17, 40 minutos, para espectadores na rede, que é onde estamos sentados.
Clara Cavour é documentarista.
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