A ESPETACULARIZAÇÃO DA VIDA ALHEIA E AS ENGRENAGENS DO MAL ESTAR SOCIAL


“No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso”. Em A Sociedade do Espetáculo, Guy Debord analisa por meio de suas frases-sínteses a sociedade moderna que produz o espetáculo enquanto simulacro de realidade. Para o autor, a única verdade do espetáculo é: “o que aparece é bom, o que é bom aparece”. O livro de Debord foi publicado pela primeira vez em 1967, época em que a televisão se tornava o principal meio de comunicação da sociedade ocidental. Sua crítica se dirigia ao poder que a imagem passava a ter nas relações e não só.

E o que temos a ver com isso? Tudo o que fazemos tem de ser milimetricamente exposto. Antes mesmo do facebook — ferramenta de autopromoção voluntária, na qual editamos nossas vidas para parecer mais sépia em alguns momentos ou p&b em outros —já existiam outros dispositivos para tornar a vida do outro um videotape com direito à edição. Geralmente, a mídia se encarregava do resto. Escolhia seus personagens, transformava-os em bandidos ou mocinhos e os arremessava à opinião pública para se retroalimentar de barbaridades que acometem a vida privada das pessoas.

 A grama do vizinho nunca podia (nem pode) ser mais 
verde que a sua: a alegria em perceber a dor do outro é 
sempre maior e lhe libera para a vida; pois saber que o 
outro sofre ameniza a falta de sentido da própria existência.

Nesse caso, a grama do vizinho nunca podia (nem pode) ser mais verde que a sua: a alegria em perceber a dor do outro é sempre maior e lhe libera para a vida; pois saber que o outro sofre ameniza a falta de sentido da própria existência. Exigir que o outro faça de sua dor um púlpito — está feito o espetáculo. Na maioria das vezes, na lei que rege o circo, não convêm confrontar a verdade porque time is money. E o dinheiro, a quem ele serve? 

Tranforma-se a violência em estética cotidiana; sátira cruel tal qual Andy Warhol bem mostrou em sua série Green Disaster (1963). A repetição da tragédia enquanto comédia se dá por meio da fofoca, porque o espetacular se efetiva com a complementação da platéia e por conseguinte, por meio da banalização da vida. Nas palavras de Guy Debord: “a crítica que atinge a verdade do espetáculo descobre-o como a negação visível da vida; uma negação da vida que se tornou visível”. Negação risível de todas as vidas, cujo espetáculo é o maior fim.


Fernanda Fatureto é jornalista e poeta.

*Imagem do topo: Justin Plakas

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