VIDEOCLIPES, BRINQUEDOS E SELFIES


Nas últimas semanas, Like a Rolling Stone, de Bob Dylan, e Happy, de Pharrell Williams, revolucionaram o videoclipe. Fizeram dele um brinquedo. Eu, particularmente, não fiquei arrebatada, como alguns amigos meus. Desculpem a heresia de não ter entendido ou mesmo de não conseguir ver a beleza ou a ludicidade desses vídeos – logo eu que faço clipes e que talvez nunca saiba fazer um tão tecnológico.

E antes que eu comece atacando e me desculpando, li comentários que me levaram a uma questão levantada pelo clipe de Bob Dylan que eu, com a minha obsessão pelo nosso novo mundo, veloz e chato, não tinha dado a devida atenção: trata-se também de um clipe sobre a solidão dos nossos tempos. Em meio a três dígitos de canais de TV, estamos sozinhos, on our own, como na canção.

Mas, guardados os méritos de se fazer um clipe interativo ou o maior vídeo da história, com 24 horas de duração, me chama atenção o fato de toda ideia estar contaminada pela ação do marketing. E isso não é novidade. Antes de ser arte, ali é produto. E produtos de arte estão aí desde que arte também é produto.

Guardados os méritos de se fazer um clipe interativo 
ou o maior vídeo da história, me chama atenção o fato 
de toda ideia estar contaminada pela ação do marketing.

O que incomodou, eu percebi depois, foi o fato de que mudar de canal no clipe de Dylan e ver apresentadores da ESPN e do Trato Feito cantando sua canção lendária – ou ver pessoas felizes com a mesma música se repetindo 8.640 vezes dia e noite – me fez lembrar de comerciais de filtro solar e de cartões de crédito, antes mesmo da solidão e da felicidade sugeridas nas letras.

Toda ideia, desde a primeira, teve de ser vendida, defendida. Mas a publicidade tornou a venda de ideias ao mesmo tempo que genial (e eu amo Don Drapper), agressiva. E, sabemos, desde que somos conectados, que a publicidade está cada vez mais presente nos nossos dedos, nas nossas telas e nos clipes de Dylan e Pharrell, por exemplo, feitos para a internet.

Nós também, com o tempo, nos apropriamos da publicidade e aprendemos a fazer o que a grande indústria do entretenimento faz com nós mesmos. São muitos os exemplos dessa apropriação, desde a foto que postamos com um texto bem clichê vendendo a vista ou a vida, até o apelo que fazemos nas redes sociais para que nosso trabalho seja visto. O auge dessa apropriação talvez seja o termo selfie, que estou pensando aqui como definir. Tendência, linguagem, narcisismo ou liberdade?

Fato é que todos nós podemos nos vender. E graças a isso também podemos trilhar caminhos profissionais no território livre e maravilhoso da internet, antes impensáveis. Mas o uso da linguagem publicitária, para dar valor às coisas íntimas, autorais, ordinárias ou mesmo consagradas, pode ser pelo menos debatida, já que estamos aqui, nesse mar de possibilidades do século 21.

A princípio, uma obra como Like A Rolling Stone, uma das maiores canções de todos os tempos, não precisa mais ser vendida. Tudo bem, o clipe saiu junto com uma caixa do artista, daí a necessidade da ação de marketing. E a indústria fonográfica, estamos peritos, precisa se reinventar a todo tempo. Talvez Pharrell sim precise ser vendido, e esse seja o jeito de se fazer o novo, de fazer um Thriller em 2013. Ele é o primeiro artista a fazer um clipe de 24 horas na história – inventamos esse recorde – e assim, pôde vender, ao mesmo tempo, uma música, um vídeo, um aplicativo, algumas marcas. Afinal, estamos falando de brinquedos novos, os brinquedos que o futuro em que vivemos pode produzir. É uma tentativa de uma indústria que está trocando as engrenagens enferrujadas por sistemas operacionais digitais. Uma indústria que perdeu o glamour, o segredo da fórmula, o espaço restrito do métier.

Não precisamos mais dela para tocar as estrelas. Temos acesso aos Instagrams pessoais e aos chapas brancas, participamos de suas fofocas no Twitter, sabemos de suas vidas sem precisar comprar a Caras ou a Rolling Stone e, além de tudo, multiplicamos nosso amadorismo – que fazíamos por amor – e o transformamos em estúdios, câmeras, ilhas de edição, profissão.

Um sistema todo na UTI. No entanto, um sistema que traz na sua cartilha a retroalimentação. E, para voltar a Dylan e Pharrel, um sistema que reaprende a vender o que já está vendido, que embala com um plástico novo Like a Rolling Stone e que inaugura a ideia de que um clipe de 24 horas seja algo que faça sentido.

Aí eu faço uma elipse e penso em 2001, Uma Odisséia no Espaço, e me pergunto se existe brinquedo maior que aquele filme. 2 horas e 40 minutos, 1968. Claro que é uma besteira comparar cinema, videoclipe, brinquedos. Mas me veio esse filme. E em arte, estamos falando de Bob Dylan e Stanley Kubrick. Nessa parte deste latifúndio, eles estão bem mais próximos do que na prateleira que o mercado os coloca. E para encerrar, um pensamento pop up: ali, naquela nave, nós, astronautas, matamos Hal, o sistema que tenta nos matar.


Clara Cavour é documentarista.

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