O FIM DO ANO O FIM DO MUNDO O FIM DO FIM


Tô desaprendendo a contar. 35 de costas é 53. 2013 pisca e vira par. Acabar ninguém quer. Todo mundo quer sempre é recomeçar.

Quase tudo o que se toca nasce com prazo de fim. Mesmo sem etiqueta de validade, mesmo o que viu dinossauros e cidades, carrega nas células o dom de terminar. O fim devia então ser assunto de maciez e calma, não de desespero (casamento, vida, emprego) ou exaltação (ano de vida, ano do calendário).

Todo dia a qualquer hora nasce o novo. A cada esquina, em qualquer dobra, morre algo também. A casa da infância. A pele sem rugas do cantos dos olhos. A tinta impecável do carro. Primeira papinha. Último Natal. Beijo juvenil sob a luz dos postes. A harmonia entre irmãos.

Por que não se celebra o fim de cada mês? Como no primeiro amor: um presente a cada vez que se repete o dia do encanto, fogos de artifício a cada 30 ou 31, e lá se foi janeiro e lá vem fevereiro, que seja suave, que seja alegre, esse mês eu faço tudo diferente, como é bom poder se renovar. Ou o fim de cada dia. Toda meia-noite um precipício e um bálsamo, tiau dia 19, oi dia 20, hoje sim eu vou acertar no milhar, hoje sim a vida vai mudar!

O reveillon é a festa de 15 anos do ano: olha o debutante sendo apresentado à sociedade, que lindo o ano, tão jovem, tão cheio de esperança, olha como valsa leve no salão, que vida linda vai ter esse ano! E a gente erra nas datas dos cheques até que acerta e se acostuma, o verão é engolido pelo carnaval e 2014 vira banal.

Eu já vi anos que começavam com 1. Cruzei dois séculos como se fosse comum. Porque afinal é.

E as novidades, essas não querem nem saber do calendário. Pulam detrás das árvores em pleno novembro, se jogam embaixo de carros no mês de abril. A vida não passou na prova de matemática e nem liga: ela não vai repetir de ano.

Maria Rezende é poeta, montadora de cinema e colunista do ORNITORRINCO.
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