Quando a gente tem alma cigana, aprende-se a ser amigo da saudade. Na verdade, essa é quase uma imposição da vida fora de casa, me dei conta disso bem cedo, quando juntei minha matula e fui viver longe da família, aos 16 anos. Às vezes, sinto que minha alma resolveu viver essa amizade meio que como uma defesa para não sofrer esse conflito: o corpo querendo voar mundo afora e o coração sem sair do lado de quem se ama e quer bem.
Muita gente nos pergunta porque optamos por viver tão longe dos nossos, tipo “não dava pra viver essa aventura ali mesmo no interior de Minas ou em algum mato mais próximo de casa?”. Não, mil vezes não! Pra quem vive a vida de peito aberto, desrespeitar o destino é ofensa das mais graves, assim como se apegar à relações, bens materiais, lembranças do que se foi. O lance é encontrar roupa nova para sentimentos já conhecidos, é isso que aprendemos desde muito tempo. Nossa saudade hoje tem saia de babado, blusa de flores e sapato confortável. Nós a vestimos com amor e carinho, e em troca ela não nos dói. Essa forma de cultivar tal sentimento companheiro de quem vive solto foi a mais doce e respeitosa que encontramos até hoje.
Todas as pessoas, lugares, experiências, coisas, trocas, momentos que vivemos estão guardados em nossa memória. Algumas de maneira tão forte que as sentimos vivas quando vibram em nosso corpo, quando percebemos sensações que nos transportam pra um tempo passado. Isso é lindo e alimenta nossa alma com um bocado de lembrança boa e a certeza de uma vida bem vivida. É como se tivéssemos nascido uma parede branca e, durante o caminhar, fossemos encontrando peças coloridas e nos transformando em um mosaico enorme que só será completo quando virarmos algodão doce no céu. E nada disso nos dói, causa tristeza, pesar ou vontade de que tivesse sido diferente. A saudade que sentimos é mansa e nos faz bem, afaga nosso peito e nos mostra quanto amor já demos e recebemos nessa estrada.
Outra coisa massa que a saudade nos proporciona é a possibilidade de repensar as relações das quais nos separamos geograficamente quando nos mudamos. É realmente incrível como conseguimos nos enxergar melhor em determinado contexto quando estamos fora dele. Então estamos repensando nossos laços familiares, amizades de hoje e de ontem, desatando nós, entendendo porquês, curando feridas, sentindo a importância das pessoas, reavaliando nossos lugares na vida delas e o delas nas nossas. Um exercício natural, cheio de sensibilidade, sorrisos, choro, clareza, surpresas e insistência, porque não é o primeiro e está longe de ser o último. Amém!
Sentimos essa saudade boa de tudo e de todo mundo porque ela não nos remete à falta ou ausência. Pra ser bem honesta, acredito que seja muito pelo contrário. A saudade é um sentimento tão doce e cheio de zelo que pode ser a melhor forma de ponderar o quanto da gente o outro tem. E, cá entre nós, isso é bonito por demais!
Manu Melo Franco é mãe, agricultora e jornalista.
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