AS NOVAS ARMAS DOS HOMENS


Numa época em que a internet aproxima pessoas e ideias, e a psicanálise revê conceitos e reforça sua tarefa de não tentar curar o mal mas sim estimular o bem —encaminhando os pacientes para a felicidade a que tem direito — vivemos, por outro lado, a manifestação mais arcaica e retrógrada da cultura bélica masculina, numa reedição pobre mas poderosa das cruzadas pelas mãos de quem apregoa o ataque à Síria.

Só quem não queria não via as intenções espúrias nas justificativas para a invasão do Iraque na era Bush. Seu plano era justamente criar um foco constante de conflito, onde pudesse apoiar toda sua ideologia conservadora, a fim de resolver os conflitos que ele mesmo criou pela força, matando então dois coelhos com um míssil só. O que se pede a Obama agora é a mesma coisa. Guerras alimentam guerrilhas, que alimentam o terrorismo, que alimenta outras guerras, que alimentam os bolsos dos senhores produtores de armamentos — algo totalmente absurdo e distante da realidade inquieta de se buscar novos caminhos para a felicidade do ser humano.

Nossa maneira de guerrear deve ser justamente essa: 
criar novas munições que neutralizem a força bélica, 
novos medicamentos contra armas químicas, novas 
marchas de protesto contra novas invasões.

Diante de tamanha estrutura de relações internacionais, de jogos de poder, de comércio planetário e avanço tecnológico “do mal”, digamos assim, nos sentimos quase ridículos em questionar sentimentos, comportamentos de gênero, novas posturas e questões da alma humana. Mas não devemos nos sentir assim. Fazemos parte justamente dos adversários desses poderosos de capa e espada, que não só acabaram de eliminar qualquer dignidade que as antigas guerras ainda podiam guardar — e que a história ajuda a rever — como tentam implantar a força como solução, numa época em que as questões primordiais do ser humano passam pela luta contra a fome, a guerra pela preservação da natureza, e novos caminhos para o entendimento entre países ricos e pobres. Se não acharmos esse caminho, estaremos, sim, alimentando a fome desses guerreiros das trevas que vivem escondidos nas nossas hesitações e inseguranças. Nossa maneira de guerrear deve ser justamente essa: criar novas munições que neutralizem a força bélica, novos medicamentos contra armas químicas, novas marchas de protesto contra novas invasões, novos discursos contra a farsa e uma rede de comunicação cada vez maior contra a mentira e o monopólio da informação — que ainda tenta desorientar e manipular a cabeça de todos.

A força criativa do sexo masculino, sua capacidade de elaborar pensamentos e ideias, a disposição física para qualquer tarefa, sua curiosidade infinita, seu senso de orientação e a capacidade de administração de questões e projetos são, na realidade, esses novos-velhos valores que devemos resgatar dos escombros que até hoje a raça humana, com a administração masculina, vem criando. Não devemos mais creditar coerência alguma aos fundamentalistas, não importa de que lado estejam.

Nós, que pertencemos ao gênero masculino, de certa forma também somos fundamentalistas, apesar da capacidade de questionamento no âmbito coletivo. No âmbito individual e doméstico, não gostamos de nos questionar, pois, segundo os mandamentos do gênero (de novo o coletivo) isso ameaçaria nosso poder. Porém, do mesmo modo em que corremos ou exercitamos a musculatura para manter a saúde de todo o o organismo, temos que refletir sobre nossa condição, para exercitarmos a capacidade criativa e mantermos nossa saúde mental e afetiva. O excesso de certezas neutraliza a inquietação, e com isso se embota o pensamento, o sonho e a ousadia criativa de viver da maneira mais feliz possível.


Miguel Paiva é cartunista, roteirista e jornalista.

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